900 Metros sem Grampo

Sempre quis conhecer as famosas, imensas, remotas e desafiadoras montanhas do Espírito Santo. Por conta do ponto facultativo da Rio+20, eu teria cinco dias livres e tinha decidido aproveitar para escalar em algum lugar distante.

Inicialmente programamos a viagem para o Marumbi mas, por conta da péssima previsão de tempo, decidimos ir para o Espírito Santo. Como lá existem muitas opções e eu não conhecia nenhuma, o Wal bateu o martelo e fomos para Afonso Claudio. A ideia seria conhecer os Três Pontões e depois os Cinco Pontões.

Então numa quarta-feira saímos de manhã e, após longas dez horas de viagem, chegamos. Ufa, realmente o lugar é longe e as estradas não ajudam.

No primeiro dia livre fomos para os Três Pontões, bem próximos da cidade de Afonso Claudio. Que formação incrível! Um complexo rochoso íngreme despontando no meio de pequenos morros com plantações de café. Tínhamos a intenção modesta de fazer uma via curta em um satélite de um dos pontões do lado sul. Mas quando cheguei na base, que era bem alta em relação ao conjunto, comecei a investigar o local. Acabei encontrando uma passagem para a face norte e em seguida a via de conquista do pontão maior. Fiquei impressionado com a via, conquistada na década de 70 e sem proteções fixas. Do ponto que estava, faltava fazer uma chaminé aparentemente fácil para chegar ao cume. Chamei o Wal e propus subirmos um pouco por ali mas sabia que poderia não encontrar grampo para descer. Pude fazer o início da incrível chaminé, mas por conta de ter pouca informação, decidimos não prosseguir por ela. Mas encontrei um grampo em outra direção e logo mais outros dois parecendo um pequeno artificial. Subi por ali e percebi que levava para o cume menor da formação, ou seja, um cume bem acessível. Logo chamei o Wal e tocamos para esse cume. Que bacana o visual dali…

No outro dia a programação seria conhecer os Cinco Pontões. São um pouco mais distantes, tendo que andar por várias estradas de terra. Foi importante estarmos com a poderosa Toyota do Wal. A visão das montanhas foi ainda mais surpreendente por serem maiores. Queríamos subir para o pontão maior, visto que só tínhamos um dia e esse era o cume mais acessível.

Iniciamos a aproximação por uma suposta trilha paralela aos pontões e perdemos algum tempo tentando encontrar uma passagem. Acabamos desistindo desse acesso e voltamos. Por conta do horário, até pensamos em desistir. Descansamos um pouco e curtimos o local com paredes enormes e com incrível potencial para conquistas.

Resolvemos prosseguir costeando os pontões e conhecer melhor o local. Passamos por todos eles: Foca, filhote de Foca, Língua de Boi, Pontão Rachado e finalmente o Pontão Maior. Da face que estávamos, os últimos se confundem, parecem fazer parte do mesmo complexo.

Ao final, já supostamente em frente ao Pontão Maior, a pedra apresentava uma inclinação suave, bem atraente. Mas não havia informação sobre via ali, teríamos que subir onde fosse possível, sem proteção.

O dia tinha começado nublado e fresco, mas nessa hora o céu estava aberto e quente. O visual estava incrível e tiramos muitas fotos.

Encontramos dois grampos e decidimos investir por ali. O costão era fácil, avançamos uns 100 m mas não encontramos mais grampos. Continuamos avançando por mais cerca de 200 m sem problema.

Depois começaram a aparecer alguns lances mais difíceis e comecei a pensar se seria possível desescalar. Não sabíamos exatamente se estávamos seguindo na crista correta para o cume do Pontão Maior, então, em princípio, teríamos que descer pelo mesmo lugar.

Em seguida me deparei com um trecho que sabia que não poderia desescalar sem proteção. Fiquei preocupado com a descida. Mas como um pouco acima havia uma vegetação um pouco maior, subi contando que poderia usá-la para passar a corda e ter um apoio na descida.

Outro problema que tínhamos era o horário. Como durante muito tempo pensamos que não faríamos o cume, desperdiçamos o tempo e acabamos iniciando a subida por volta de 14h, já muito tarde. Apesar de estarmos avançando rapidamente, uma eventual descida demandaria muito mais tempo por conta de ser preciso desescalar tudo.

Mais à frente, já muito alto e com o final do dia se aproximando, concluí que não poderíamos descer por ali naquele dia. Não teríamos tempo suficiente. E como não havia nenhum platô grande o suficiente para passarmos a noite, teríamos que subir de qualquer jeito. E assim continuamos.

Mas logo apareceram trechos mais delicados, porém, sem vegetação acima. Caramba, como faremos para descer por aqui?? Não fazíamos paradas, não gastamos tempo com manuseio de corda, ancoragens, montagem de segurança, colocação e recolhimento de costuras. Apenas subíamos, parando somente alguns segundos para recuperar o fôlego. Mas mesmo após horas nesse ritmo ainda não podíamos ver o final, o cume.

Certa hora, finalmente, mas ainda distante, ele apareceu. Alívio? Que nada! Me deparei com uma crista com cerca de 50m, bem estreita e totalmente sem vegetação para escalar. O local era bem impressionante. Não havia outra opção senão subir, então não pensei muito. Simplesmente me concentrei e escalei, devagar mas sem parar e sem olhar para baixo. Ao final sabia que não poderia descer por ali desescalando. Seria preciso encontrar outra descida…

Mais alguns trechos mais ou menos problemáticos e cheguei no cume. Logo percebi que não estávamos no Pontão Maior, mas num outro cume um pouco mais baixo. E rapidamente encontrei um grampo antigo. Eram cerca de 16h30, não tínhamos muito tempo de luz. O outro lado do cume era muito íngreme, vertiginoso mesmo. Além do Pontão Maior víamos outras agulhas incríveis. Descansei um pouco, percebi que não tinha bebido água na subida, apesar do calor. E também não tinha muita água. O Show e Fernando chegaram.

Decidimos descer pelo grampo e tentar encontrar uma outra descida. O Wal desceu primeiro e começou a investigar as possibilidades. Inicialmente pensamos em descer o grotão que separa os dois cumes, mas sabíamos que ele não ia até o início da montanha e em algum ponto poderíamos não conseguir continuar a descer.

Wal encontrou, então, uma passagem para a crista do Pontão Maior e concluiu que poderíamos subir até o cume e descer pela sua rota normal. O sol estava a ponto de sumir e ainda tinha um trecho delicado para subir. Naquela hora não tinha tempo para hesitar, então subi e parei em uma árvore razoável e chamei os demais. A seguir parecia que seria o trecho final. Subi um pouco e vi que um pouco acima – a inclinação era demais para tentar sem segurança (um 5º no mínimo). A única alternativa seria fazer uma grande horizontal e tentar encontrar um trecho mais acessível.

Segui por uns 5m e vi ainda a uns 15m alguma estrutura artificial. Resolvi continuar nessa direção. Escalando mais 5 m, me pareceu um cabo de aço de para-raio. Mais 5m vi também uns vergalhões e parecia uma escada. Mais um pouco e cheguei no tal degrau. Ufa!!! Já estava quase escuro. Subi até o final e montei a segurança para os outros. Avisei que a segurança era boa e todos vieram, alguns já com headlamp.

Finalmente pudemos relaxar. Ainda não sabíamos como seria a descida mas o fato de ter uma rota segura mudou bastante o ânimo. Tiramos fotos, bebemos os últimos goles de água e começamos a descer os infinitos degraus. Depois ficamos sabendo que eram mais de 150. Em seguida uma trilha bem marcada. Ainda bem pois já era noite. Sabíamos que a Toyota ficara no lado oposto dos pontões, então estávamos bem longe. O GPS calculou uma rota de retorno por estradas de terra, mas faltavam 8km para caminhar. Ninguém reclamou, afinal não tinha mais risco. Estávamos cansados e desidratados mas em segurança. Levamos quase três horas caminhando, sem pressa naquelas estradinhas desertas.

Ao chegar em casa fui revisar a rota que subimos: foram cerca de 900m… sem grampos.

Boris Flegr

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